A judicialização da causa animal no Brasil

05/11/2017

Os animais, assim como os humanos, possuem direitos assegurados por leis, que visam a proteção, bem-estar e punição para aqueles que os maltratarem

No Brasil, há diversas leis de proteção aos animais. A Constituição de 1988, em seu artigo 225, parágrafo 1º, cita que cabe ao Poder Público:

VI- promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoque a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Pela atual legislação brasileira, a Lei Federal dos Crimes Ambientais, nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dita os parâmetros que devem ser seguidos em casos de necessidades de proteção aos animais.

O artigo 32 que da referida norma, inspirado no dispositivo constitucional que veda a crueldade em animais, criminaliza as condutas ensejadoras de maus-tratos e cruedades contra a fauna, estabelecendo que todos esses seres encontram-se abrangidos pela norma. Cita como crime: praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, com sanção de prisão e multa, aumentada 1/6 a 1/3 se ocorrer a morte do animal.

A advogada da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), Patrícia Marin, conversou com a equipe Viva Vegan a respeito da judicialização da causa animal.

Viva Vegan - Qual sua opinião sobre as políticas públicas em prol dos animais?

Patrícia Marin - Com a inserção do artigo 225, parágrafo primeiro, VI, da Constituição Federal, projeto de intenso debate e discussão em todo o país, pode-se dizer que o constituinte brasileiro deixou as portas abertas para a pós-humanização de sua carta ao atualizá-la com ideias que vão além da categorização humana, reconhecendo o valor em ser inerente a todos os animais não humanos, permitindo assim, por meio de seu texto, uma interpretação que contemple a dignidade animal.

Dessa forma, ao dirigir um dever de proteção aos animais, proíbe categoricamente a submissão dos animais à crueldade, de modo que se pode extrair do texto constitucional um imperativo categórico em defesa dos animais, a entender que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, devendo defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A Constituição Federal permite entender que é um direito fundamental à livre apreciação dos interesses não humanos pelo Judiciário, sendo livre o acesso à Justiça dos interesses juridicamente protegidos dos animais considerados individual ou coletivamente. Dessa forma, Constituição possibilita o rompimento com a perspectiva ambiental dos animais como recursos naturais à disposição dos seres humanos, tendo já o Judiciário brasileiro adotado posição de vanguarda na consideração jurídica dos animais em alguns casos especificamente (ex. caso do chimpanzé Suíça no zoológico de Salvador; caso do Circo Portugal em Salvador; decisão do STF proibindo a vaquejada).

Viva Vegan - Porque quando se trata de animais as leis são tão brandas?

Patrícia Marin - Infelizmente, em nosso ordenamento jurídico a pena prevista para maus-tratos de fato é extremamente branda. É preciso endurecer as penas, pois conforme a lei em vigor em nosso país se permite ao autor do fato livrar-se do processo celebrando transação perante o Juizado Especial Criminal, além da possibilidade maior de prescrição (quanto menor a pena, menor é o prazo de prescrição).

Neste caso, o prazo prescricional é de 3 anos (para os juristas: prescrição da pretensão punitiva). Por isso, o que se vê, na maioria das vezes, é a impunidade do infrator.

No Brasil os animais são tutelados, uma vez que são representados em juízo pelo Ministério Público ou pelos representantes das sociedades protetoras de animais (§3º, art. 2º do Decreto nº 24.645/34) e, se a norma federal dispôs assim, é obrigação da autoridade local fazer cumprir a lei federal que protege os animais domésticos, por exemplo. As pessoas devem fazer valer seus direitos, e a insistência do denunciante junto às autoridades para os casos de maus-tratos, para que os fatos sejam apurados e os criminosos punidos, é essencial a fim de que a denúncia tenha consequências.

A situação de abandono de animais dentro de residências, por exemplo, é infelizmente muito comum e difícil a comprovação dos maus-tratos na prática. É lamentável.

Não é à toa que o caso Dalva Lina da Silva - conhecida como a "serial killer de animais" - teve gigantesca repercussão com sentença histórica no Brasil, no ano de 2015, uma vez que condenou a criminosa em mais de 12 anos de prisão, além do pagamento de multa.

 Viva Vegan - Porque a Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, não considera crime o abate de animais?

Patrícia Marin - O artigo 37 desta lei não considera crime o abate de animais em situações específicas e consideradas necessárias, visto que o termo jurídico crueldade, no seu significado constitucional, é entendido dentro de uma visão antropocentrista, eis que sustenta interesses humanos.

O ideal seria que toda cidade possuísse uma delegacia e uma promotoria especializadas na defesa animal, entretanto, infelizmente, ainda estamos muito longe disso"

Patrícia Marin

Ativista e advogada da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) Foto: Arquivo pessoal

Viva Vegan - Qual é o papel do Judiciário na efetivação dessas políticas públicas?

Patrícia Marin - Para que situações jurídicas envolvendo os animais possam efetivamente se realizar, deve-se compreender as duas dimensões possíveis deste direito fundamental: a relação entre Estado e o animal não humano, em que haveria um dever de proteção do Estado impondo objetivos e finalidades que não possam ser afastados pelos poderes públicos; e a relação entre humanos e não humanos, consubstanciada no sentido de que o Judiciário antes de aplicar qualquer norma infraconstitucional a casos concretos deve observar os valores constitucionais relacionados aos animais.

Não sendo possível na relação humano e não humano aplicar a norma ordinária existente em conformidade com os direitos fundamentais, deve o órgão jurisdicional exercer o controle incidental de constitucionalidade afastando o preceito viciado da resolução da questão, e diante de eventual ausência de norma, solucionar os litígios por meio da invocação direta da Constituição.

Considerando-se a atual situação na qual os animais são explorados e utilizados unicamente para atender aos interesses humanos (seja na alimentação, vestuário, diversão, tração, vigilância, estudos e pesquisas, sendo transformados em mercadorias) é um grande desafio para as instituições que atuam na defesa dos interesses dos animais visando superar a visão antropocêntrica de mundo. A difusão da visão biocêntrica, para reconhecer os animais como seres sujeitos de direito e estabelecer mecanismos a assegurar sua efetivação por meio de políticas públicas, passa a ser um grande desafio do ente estatal.

Para tanto, é preciso que sejam adotados novos paradigmas de respeito na relação entre seres humanos e não humanos, acompanhando uma lógica mundial de preservação da vida em relação à implementação de políticas públicas, elaboração de leis, programas de governo, projetos e ações, bem como de suas execuções.

Viva Vegan - Porque mesmo sabendo de maus-tratos contra animais alguns juízes os liberam para ficarem com seus donos?

Patrícia Marin - Embora até existam órgãos públicos responsáveis pela fiscalização (quando alguém denuncia por presenciar atos de agressão contra os animais) que possam encaminhar os casos à Polícia Civil, caso entendam que há necessidade para levar adiante este processo e, se necessário e constatado maus-tratos, de o animal ser retirado do seu tutor, é preciso que seja comprovada tal agressão. Na prática, é devido a essa carência de comprovação que faz que os agressores não sejam punidos e consequentemente os animais agredidos retornem aos seus tutores.

O ideal seria que toda cidade possuísse uma delegacia e uma promotoria especializadas na defesa animal, entretanto, infelizmente, ainda estamos muito longe disso.

Pessoas que maltratam os animais devem ser punidas de forma mais rígida, obviamente. Porém, embora nossa legislação ainda esteja aquém do ideal, ainda assim é possível ampararmos os animais contra os maus-tratos com fundamento na legislação vigente.

Por isso, importantíssimo que os maus-tratos sejam devidamente registrados/documentados, bem como a invasão (nos casos de invasão de domicílio para resgatar o animal em estado de sofrimento, por exemplo) se dê sempre filmada e fotografada do início ao fim para resguardar direitos dos invasores/protetores, bem como dos animais resgatados e, após sua conclusão, seja imediatamente lavrado o boletim de ocorrência policial, objetivando responsabilizar civil, penal e administrativamente o agente causador do crime.

Além disso, os municípios não possuem estrutura suficiente para receber todo animal que é vítima de maus-tratos, pois a estrutura da administração pública para o recolhimento de animal é muito pequena. Esses animais são encaminhados a lares temporários até que se consiga castrar e doá-los, por meio da ajuda de protetores e organizações não governamentais (ONGs). 

A Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (Depa) site do governo do Estado de São Paulo, aconselha a ligar para o 190 em caso de agressões com animais. 

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